E está escrito: ויאמראבינו שבו שברו-לנו מעט-אכל Vayomer avinu shuvu shivru-lanu me’at-ochel, “E nosso pai disse: Voltai e comprai um pouco de alimento para nós” (Bereshit 44:25, Vayigash). Incrivelmente, dentro deste passúk/verso, temos as nove letras (que estão sublinhadas no texto em Hebraico) que compõem a expressão שימושא רבא Shimusha Rabah, “O Grande Serviço”. Agora, no início da parashá Vayigash, Yehudah disse a Yossêf que depois que os irmãos voltaram de Mitsrayim/Egito e contaram a Ya’acov que Shimon havia sido preso e era mantido como refém, o patriarca então ordenou: Shuvu shivru-lanu me’at-ochel. E Ya’acov os informou que deveriam fazer isso sem levar Binyamin, apesar de que Yossêf os tinha avisado para não voltar sem ele. Porque Ya’acov disse para trazerem apenas um pouco de comida? E porque ele pensou que poderia envia-los de volta sem Binyamin? O Rabino Yonatan Eibushitz (século 17) diz que Ya’acov queria enganar Yossêf. Antes de continuar, é preciso se lembrar que a grande astúcia de Ya’acov é uma de suas “marcas espirituais”. A pessoa precisa sempre enxergar além da realidade revelada, se focando nas verdades que a tudo sublinham. E como explica o Rabino Eibushitz, “Yossêf interpretou o sonho sobre os sete anos de fome etc. Entretanto, Ya’acov viu com ruach hakodesh/inspiração divina que este período terminaria após somente dois anos devido ao seu z’chut/mérito [de Ya’acov ele mesmo]. Ele queria que as Shevatim/Tribos de Israel [que são seus doze filhos] fossem para Mitsrayim e pedissem somente um pouco de comida e dissessem a Yossêf que trariam Binyamin na próxima viagem, uma vez que certamente precisariam de mais suprimentos para sobreviver os sete anos. E deste modo Yossêf, libertaria Shimon. E Ya’acov planejou apropriadamente de acordo com a sua visão. Ele sabia que esta quantidade mínima de comida seria o suficiente para sustentá-los até o final da fome e eles jamais voltariam”.
Agora, a minha de’ah/visão deste assunto é a seguinte: o judeu precisa buscar realizar seu Shimusha Rabah/Grande Serviço espiritual, tendo a intenção desta sua missão ser uma real oportunidade para fazer mituk hadinim/adoçamento espiritual. Isso é assim, pois as severidades da iêtser hará/má inclinação no final da galut/exílio que vivemos é enraizada nos dinim/decretos celestiais que caem sobre o mundo devido aos pecados dos homens, necessitando então de grande “astúcia e armamentos” certos para que estas severidades sejam corretamente “adoçadas”. De fato, é preciso grande esperteza (como aprendemos do patriarca Ya’acov) para subjugar as forças que buscam bloquear a luz de YKVK no mundo. E por isso este passúk de Vayigash é tão significativo. Veja: é preciso primeiro entender que em Cabalá as doze tribos são associadas às dozes linhas requeridas para desenhar um cubo, que é a forma geométrica básica das três dimensões do espaço físico e do “espaço” espiritual. Deste modo, elas são associadas com as seis emoções (em Hebraico, midót, que significa literalmente “medidas” de espaço) e que anatomicamente compreendem o “corpo” Divino, ou na linguagem mística, o partsuf/configuração sefirótica de Z’eir Anpin. Apesar de que os patriarcas são associados as três midot primárias (chéssed-guevurá-tiféret), os filhos de Ya’acov, os chefes e progenitores das Shevatim, são associados as midót como um todo, particularmente na maneira que elas são projetadas nos mundos inferiores de Beriyah, Yetsirah e Asiyah (na realidade prática). Dito isso, qual o assunto de Shimon? Será pidiyón shivuyin/resgate dos prisioneiros e Ya’acov planejou com astúcia uma maneira para cumprir esta mitsvá? É possível, mas eu creio ser algo diferente. Quando tratamos do assunto da midát zerizút (“zelo” ou também “raiva Divina”) pela Torá, vemos que assim como toda força espiritual, esta midah/característica emocional pode ser corrompida, inclusive inadvertidamente. Mas, é possível retificar e adoçar estes erros na sua origem. Por exemplo, podemos retificar midát guevurá (“as emoções severas”) na sua origem, ou seja, em binah/intelecto. Isso ocorre quando antes que despertem os sentimentos duros e severos na pessoa que partiram afinal de seu julgamento (um processo mental/binah) este é “adoçado/mitigado”, evitando assim a descida desta força para o grau emocional e por fim, nas ações severas.
Agora, Pinchas é um exemplo elevado da midát zerizut, pois o resultado da sua expressão de raiva Divina revela a raiva sem o ego. Ele foi zeloso ao extremo por YKVK. E o resultado deste seu uso retificado foi sua inclusão na kohanut/função sacerdotal (Bamidbar 25:12). Continuando, a tribo de Levi também foi caracterizada pelo zelo extremo por YKVK. Levi e seu irmão Shimon se vingaram no povo de Shéchem pela violência sexual contra a sua irmã Dinah (Bereshit 34:25). Quando Moshe desceu do Har Sinai e viu o povo adorando o bezerro de ouro, ele disse: “Quem é por YKVK, venha a mim” (Shemot 32:26-28). E toda a tribo de Levi veio a ele e mataram os idólatras. E pelo outro lado, uma das funções principais dos kohanim/sacerdotes, além de oficiar os sacrifícios rituais no Beit HaMikdash/Templo Sagrado, era abençoar o povo todos os dias com paz. E o Ari”zal explica (Likutêi Torah, Pinchas) que a passagem que descreve esta função sacerdotal (Bamidbar 6:22-27) contém 150 letras (que com um do kolel é 151, a guemátria de kuf-nun-alef, que é a raiz da palavra “vingança” Divina usada em relação a Pinchas). Isto significa que através dos kohanim/Leviim, estes retificarem o atributo de raiva Divina/zelo, e eles então agiram como condutores da paz e irmandade para todo o povo de Israel. E YKVK afirmou isso para Pinchas, dando-lhe o “pacto da paz” (Bamidbar 25:12). Isto tudo resolve a questão do zelo de Levi, mas não de Shimon. Como é sabido, Levi e Shimon têm origem no lado da Severidade (Binah/Guevurah). E em a sua retidão, lutaram contra as forças do mal representadas por Shechem ben Chamór (que significa “Asno”, uma klipah terrível. Chamór é cognato de chomêr, “materialismo”). O Zohar traz também que “Shimon era do mazál/signo de Shór/Touro, o lado de guevurah da kedusha/santidade… e ele lutou e hostilizou muito seu inimigo Chamór, o shór do lado da klipah…” (173a, Vayishlach). E ele lutou bravamente contra as forças do materialismo que insensibiliza, neutraliza e destrói a consciência sobre o Divino. Ele hostilizou Chamór. Contudo, a sua guevurá/severidade, a sua “raiva Divina” não havia sido ainda suficientemente retificada. Ele errou nas suas kavanót/intenções, pois assim como está escrito: “Porque Shimon se associou a Levi ao invés de, por exemplo, Reuven, quem também era seu irmão completo? A razão foi que quando ele viu que Levi vinha do lado do Julgamento/Guevurá, ele então quis se ligar a este mesmo lado. Portanto, ele pensou que se Levi se juntasse a ele, eles poderiam conquistar o mundo” (Zohar 62b, Acharêi Mot). Mas, Levi se retificou como explicado, enquanto Shimon insistiu com obstinação em tentar “conquistar” o chamór: o mundo insensível e tolo com sua luz adoentada. Ainda que ela fosse zelosa, faltava o elemento da paz que Levi entendeu e foi recompensado mais tarde por YKVK. Por fim, o Zohar explica o resultado do erro de guevurá de Shimon: foi um erro inadvertido de falta de maturidade, mas que corrompeu a força do zelo, pois esta raiva Divina ainda tinha “Ego”. E agora o Zohar: “E o que YKVK fez [diante desta kavana/intenção de Shimon]? Ele pegou Levi e deu sua porção, mas YKVK isolou Shimon”. Os erros de maturidade causam isolamento na pessoa. E assim e agora eu entendo a seguinte trecho do Talmud sobre um “outro” (grande) Shimon: “O Rabi Shimon bar Yochai [Shimon filho de Yochai], quem revelou o Zohar para o mundo, e seu filho Rabi Eliezar viveram doze anos numa caverna. Aí, um dia o profeta Eliyahu/Elias veio e ficou na entrada da caverna e proclamou: ‘Quem informará ao filho de Yochai que o imperador César morreu e o decreto contra os judeus foi anulado?’ O Rabi Shimon bar Yochai e seu filho ouviram isso e emergiram da caverna. E na medida em que se aventuraram de volta à civilização, viram algumas pessoas que estavam arando o campo e plantando algumas colheitas. E enraivecido com esta visão o Rabi Shimon bar Yochai declarou: ‘Estas pessoas estão abandonando a busca da vida no Mundo Vindouro e se ocupando ao invés com preocupações da vida transitória!’ E daí em diante aonde quer que o Rabi Shimon bar Yochai e seu filho fitavam os seus olhares, o objeto de sua visão era imediatamente incinerado [pois, devido a sua altura espiritual, tudo o que eles percebiam como mal cessava de existir]. Finalmente, uma voz celestial ressoou e proclamou para eles: ‘Vocês emergiram de seu isolamento para destruir o Meu mundo? Voltem para a sua caverna!’ E então os dois foram e voltaram para a caverna e residiram lá por mais doze meses. E neste ponto eles disseram para si mesmo: ‘A sentença dos perversos no Guehinom/Inferno não dura mais do que doze meses. Talvez a nossa sentença tenha também já expirou. E uma voz celestial ressoou e proclamou: ‘Emerjam de sua caverna’” (Talmud, Shabat 33b). E o adoçamento que traz o “Grande Serviço” (Shimusha Rabah) a YKVK é de fato um tikún/retificação de um longo período de crescimento e retificações em isolamento que vem agora para adoçar e limpar estas marcas espirituais do passado, para que possamos inaugurar e assim “emergir” para uma nova fase doce de nossas vidas, aonde o zelo existe mais do que nunca, mas nunca mais do que a paz. De fato, vemos que a essência deste serviço ao Criador se encontra aqui, na expressão do verso citado, Shuvu Shivru (“Voltai e comprai”), que tem guemátria 816, a mesma de v’Kidashta (“E se santificar”). Veja, comprar é de fato “adquirir”. E para o judeu adquirir o bem maior no mundo que é kedusha, ele precisa fazer teshuva – a “volta” à vida de Torá e assim viver alinhada D-us, e assim as nações do mundo finalmente se inspirarão e abandonarão a sua falta de paz. E como está escrito: “E ele – o verdadeiro Mashiach – falará somente de paz às Nações. Seu domínio se estenderá de um mar a outro, e desde o rio Eufrates até os confins da terra” (Zacarias 9:10), amém.